sexta-feira, 28 de abril de 2023

 Cláudio Humberto

Ouço às vezes as criticas que esse radialista faz com insistência ao governo Lula. Nunca um elogio, só críticas, como se nada de bom estivesse sendo feito. 

Vou me ater às críticas que ele faz às invasões. Pode-se dizer que ele tem total razão, é um crime invadir a propriedade alheia. Não gostaria que invadissem a única que tenho. Mas os invasores são, para ele, sempre os criminosos. Nenhuma palavra sobre os problemas sociais brasileiros que geraram as invasões. 

Nenhuma referência às grandes usinas de açúcar e álcool que expulsaram das suas terras os trabalhadores para plantar somente cana, nada mais para a subsistência de todo um povo. Que veio em grande número para o sul, e criaram as favelas. 

Nenhuma referência aos outros criadores de monoculturas que fizeram exatamente a mesma coisa. 

Nenhuma referência aos fazendeiros que acabaram com as colônias e com os meeiros de suas terras e mandaram todos para a cidade, viver não se sabe como. 

Nenhuma referência aos latifúndios dos nordeste que aproveitaram dos seus sertanejos, antes de tudo, fortes e os transformaram em retirantes, essencialmente quando chegavam as secas: nenhuma proteção a quem já era explorado. 

Nenhuma referência aos pequenos proprietários que perderam tudo com secas ou geadas e não tiveram como pagar seus empréstimos aos bancos. 

Nenhuma referência às grandes fábricas de papel que plantaram eucaliptos nas terras que serviam de sobrevivência a quem pouco ou nada tinham, a não ser seu trabalho.

Cláudio Humberto, se os trabalhadores não têm mais onde morar, acabam por seguir líderes que podem ou não ser mal intencionados. O Brasil nunca fez o que os países nórdicos passaram a fazer: deixar quem trabalha nas terras onde sobrevivem para não virem inchar as cidades de favelas. E violência, e drogas e etc. 

Até quando, Cláudio Humberto, você vai só atacar quem só foi escorraçado nesse país? Você não vai deixar saudades quando se for, como temos saudades de  um Graciliano, que entendeu o sofrimento desse povo miserável.

quinta-feira, 27 de abril de 2023

 serginho

Li esses dias no quora um comentário bem irônico e negativo sobre o apresentador Serginho Groisman. Ele é visto como uma espécie de tiozinho sem graça, vestido para matar mas sem armas para isso. Como o comentário era aberto somente para a corriola da autora, resolvi entender o que se passa. Parece-me que a Globo tem muitos inimigos nos dias de hoje e por isso há muita gente buscando seus alvos para atacar. Como sempre vi Serginho como um antiapresentador, daqueles que vieram para ser o oposto dos grandes nomes da época em que ele surgiu, Sílvio e outros já falecidos que trabalhavam com produções caras, entendo que o objetivo dele é mesmo parecer simples, dando voz a um público que nos outros vão para aplaudir, dando voz muito mais a seus convidados do que aparecer. Faustão também surgiu para ser anti-herói, transformou-se na Globo, mas sempre deixou transparecer que o que queria mesmo era a contracultura. 

Então, Serginho, acredito que você continua até hoje porque inovou, fugiu da grandiosidade, nunca quis ser o astro que essa crítica esperava de você ao assistir seu programa. Programa que não vejo, mas, como o conheço desde a época da Cultura, espero ter entendido sua contribuição para nossa tevê. 

O objetivo aqui é deixar aberto o espaço a comentários, não entendo como um crítico queira ser o dono da verdade, né Laura?

segunda-feira, 7 de novembro de 2022

 democracia

Quando me mudei para Mojimirim, fiquei contente pelo fato de poder desfrutar do horto florestal. Podia andar, correr, sentar-me nos degraus de um trecho de arquibancada de cimento defronte a um campo de futebol onde jogavam os times que a comunidade local formava. Ao lado de muitas árvores, muita sombra, muita paz e de um campo de bocha onde jogavam pessoas da redondeza, assistidos por outros que jogavam truco e bebiam a cervejinha sagrada. 

Durante a semana, era mais o sossego. Eu corria, pessoas como eu corriam, um deles, um sargento, vinha sempre, corria lentamente, devia ter problemas sérios de saúde, mas tentava correr e ali parecia ser o lugar ideal para ele, ao lado do campo, logicamente um terreno limpo e plano. 

E havia um terreno amplo ao lado, que envolvia um lago onde moravam patos, um macaco e até jacarés, devidamente cercados. 

E, num belo dia do final do século passado, o prefeito fechou tudo. Ia transformar tudo, modificar, criar novos caminhos, trazer novos bichos. Era a modernidade. E eu não sabia se ria ou chorava: ia perder tudo, mas ia ganhar tudo de novo, melhorado. 

Um dia, reabriram. Reabriram o que chamam de Zoológico, Caminhos levavam a araras que já lá estavam ao lodo de outros bichos. Vinha gente da redondeza, de cidades vizinhas. Mas fecharam o campo de futebol. Acabou o lazer da comunidade. Comecei a andar nas ruas vizinhas ao lado dos carros, da poluição, do barulho, longe do ar puro do horto. Fui sozinho, os outros frequentadores, inclusive aqueles que sempre jogavam num terrão ao lado do campo. Pensei: isso é democracia, quer dizer o poder do povo que elegeu o prefeito que agora mandava sozinho. 

Hoje está tudo fechado, já mudamos de século faz 22 anos e tudo o que se faz no zoológico e no horto é para alguns que vejo entrar e sair, sem haver política nenhuma para desfrutar pelo menos dos caminhos de ar puro que ali existem e de alguns frutos que amadurecem e caem e apodrecem. Já tentei entrar, mas na segunda vez me viram e disseram que era proibido. Democracia. Os escoteiros também desfrutam de uma parte desse horto que hoje não é mais do Estado. Pensei que sendo do município teríamos autoridades mais próximas para nos entregar um lugar perfeito de lazer, como têm tantas cidade por aí, como Campinas, São Paulo. Dá para ver que muitos trabalham ali, mas...

...mas entra prefeito, sai prefeito, entra outro e tudo continua na mesma. Isso é democracia.

quinta-feira, 16 de abril de 2020


Capítulo 9

Uma questão de vida e morte



  • *     Como nos acostumamos à ideia de que vamos morrer?
  • *     Use a morte como inspiração para observar o Dharma
  • *     Meditação sobre a morte em nove etapas
  • *      A morte vista por diferentes tradições budistas
  • *     O que fazer no caso da morte de um ente querido?


Em 1989, um violento terremoto sacudiu toda a área da baía de São Francisco. Jon morava ao norte de Santa Cruz (ou seja, entre esta pequena cidade na costa oeste dos Estados Unidos e São Francisco), a cerca de quinze quilômetros do epicentro, e testemunhou pessoalmente os danos causados ​​pelo terremoto.
Felizmente, se considerarmos que essa aglomeração é muito povoada, houve poucas mortes. Mas no espaço de 15 segundos, esse evento confrontou milhões de pessoas com a fragilidade de suas vidas, e a agitação emocional que se seguiu persistiu por um longo tempo. Muitos então questionaram suas suposições básicas sobre o que era importante na vida. Conversas, mesmo entre pessoas que não se conheciam, rapidamente tomaram um rumo espiritual. A participação nas aulas de meditação aumentou consideravelmente e permaneceu alta por vários meses após o terremoto. Parecia que ele havia abalado as pessoas, literal e figurativamente.
Um encontro próximo com a morte, seja em um desastre natural, em uma doença grave ou em outro evento, geralmente leva as pessoas a questionar suas vidas e, finalmente, a mudarem de vida.
Shakyamuni Buddha, o fundador do budismo, começou sua jornada espiritual quando viu um cadáver pela primeira vez enquanto se aventurava no mundo, fora de seu palácio de prazer. O caminho que ele descobriu no final de sua jornada é descrito adiante. Neste capítulo, focaremos o ensino
do Buda em relação à morte.
No entanto, não se preocupe se o assunto parecer um pouco deprimente à primeira vista. Nossa intenção é mostrar como uma avaliação profunda de sua própria condição mortal pode motivá-lo a se comprometer espiritualmente e como a própria morte pode ser um instrutor poderoso.

A morte diz respeito a você pessoalmente

Você precisa de várias coisas para se manter vivo, como comida e bebida, roupas e abrigo adequados e cuidados médicos quando estiver doente. Mas como os mestres budistas gostam de repetir, não é preciso muito para morrer: você só precisa expirar e não inspirar mais. Se você parasse de respirar, mesmo por alguns minutos, em breve estaria batendo na porta da morte. A morte não é remota nem incomum; pode ser a única coisa que, sem dúvida, acontecerá com você.
Como diz o velho ditado americano, na vida você pode contar com duas coisas: morte e impostos! Mas há uma grande diferença entre uma simples compreensão intelectual do fato de que a morte é inevitável e realmente sentir que essa realidade se aplica pessoalmente a você.
Por exemplo, se você fez uma pequena pesquisa com adolescentes e perguntou: "Você acha que vai morrer algum dia? Todos diriam que sim. Mas se você observar o modo como muitos vivem, provavelmente concluirá que esses adolescentes pensam que são imortais. Pense nos riscos que alguns (note que escrevemos alguns) geralmente correm: eles se divertem muito e se envolvem demais em álcool, dirigem como demônios, praticam esportes radicais e fazem sexo sem preservativo, para citar alguns. Apesar do que eles podem dizer, alguns adolescentes parecem pensar que a morte só acontece com outros.

O grão de mostarda

A seguinte história verdadeira é geralmente contada para lembrar às pessoas que a morte está esperando por todos e que ninguém pode evitá-la. Escusado será dizer que a morte de uma criança é uma das perdas mais pungentes, bem como um dos mais severos lembretes de impermanência.
Uma mulher chamada Kisa Gotami era contemporânea do Buda. A morte de seu jovem filho a dominou tanto que ela ficou louca de dor. Agarrando-se ao corpo sem vida de seu filho, ela começou a vagar de um lugar para outro em busca de uma cura. Os amigos dela lamentavam por ela e lhe disseram: "Gotami, por que você não fala com o Buda? Talvez ele possa fazer algo por você. Com infinita compaixão, o Buda disse a Gotami: "Vá para a cidade e me traga um minúsculo grão de mostarda". No entanto, certifique-se de que esse grão venha de uma casa onde ninguém tenha morrido. A mãe perturbada foi imediatamente procurar a semente e foi de casa em casa. Mas, embora todos estivessem ansiosos para ajudá-la: "no ano passado meu marido morreu", diz um; "Três anos atrás eu perdi minha filha", disse o outro. "Meu irmão morreu aqui ontem", disse um terceiro. Onde quer que ela fosse, Gotami ouvia a mesma coisa. No final do dia, Kisa Gotami retornou ao Buda de mãos vazias. "O que você encontrou, Gotami? Ele perguntou suavemente. "Onde está sua semente de mostarda?" E onde está seu filho? Você não o carrega mais com você. "
"Ah, Buda", respondeu ela, "hoje descobri que não sou a única no mundo que perdeu um ente querido. Pessoas em todo lugar morreram; todas as coisas devem desaparecer. Eu percebi o quão errado eu estava quando pensei que poderia trazer meu filho de volta à vida. Aceitei a morte dele e esta tarde mandei cremar o corpo dele. Agora voltei para te ver. O Buda então aceitou Kisa Gotami como discípula e administrou sua ordenação como monja de sua ordem. Sua compreensão da realidade então se aprofundou com a prática do Dharma, e logo ela obteve o nirvana, a libertação completa do sofrimento.
  Não criticamos os adolescentes em geral, apenas os usamos como um exemplo bastante simples. Na verdade, é a maioria das pessoas que vive suas vidas como se nunca morressem. Eles enfrentam a inevitabilidade de sua própria morte somente quando enfrentam a morte de um de seus entes queridos ou quando experimentam uma doença com risco de vida. E quando o evento termina, a janela que de repente se abre para a realidade se fecha rapidamente e eles esquecem a morte novamente - pelo menos temporariamente. O budismo sempre considerou a morte como um dos professores mais poderosos que existem, mas isso não o torna uma religião sem alegria ou que nega a vida. Simplesmente reconhece que a morte tem um poder incomparável de forçar os homens a olhar profundamente em seus próprios corações e mentes, a fim de reconhecer o que realmente importa.
Portanto, essa profunda contemplação da morte pode realmente alimentar seu vigor vibrante e autoconsciência e motivá-lo a fazer uma diferença significativa em sua vida.
  Talvez você queira parar de ler aqui e, por alguns minutos, examinar sua própria atitude em relação à morte. Você pensa muito na morte? Obviamente, a ideia de morrer deixa você desconfortável, como a maioria das pessoas. Você pode até se sentir ansioso ao passar pelas inevitáveis ​​transições da vida, sabendo que elas o estão aproximando cada vez mais do seu fim. Mas, às vezes, você examina conscientemente sua própria condição de ser mortal e as implicações que isso tem para a maneira como você conduz sua própria vida? É exatamente isso que o budismo o encoraja a fazer.

Perceba que sua vida é uma oportunidade rara e preciosa

Para examinar de perto a morte - ou qualquer outro tema do Dharma - comece exatamente no lugar em que você está agora. Dê uma olhada na sua situação atual. Provavelmente não precisamos apontar que você é um ser humano. Embora possa estar ciente de sua condição de ser humano, você pode tomá-la como garantida ou simplesmente descartá-la como sem sentido. O que há de errado com essas opções? Do ponto de vista budista, como ser humano, você tem uma chance excepcional: de fato, você tem a possibilidade de alcançar o objetivo principal de qualquer treinamento espiritual, isto é, libertação total do sofrimento e insatisfação, o que resulta em uma vida de felicidade duradoura e compaixão ilimitada pelos outros.
Como ser humano, com o interesse e o poder de direcionar sua mente para a prática do Dharma (treinamento espiritual), você tem a oportunidade de alcançar esse objetivo. Mas a pergunta que surge é a seguinte: você escolherá orientar sua vida nessa direção? Sua breve existência chegará ao fim muito rapidamente e, se você não fizer escolhas sábias, poderá estar desperdiçando uma rara e preciosa oportunidade de fazer algo que vale a pena com o tempo que resta. Por que chamamos sua existência de "uma oportunidade rara e preciosa"? Com seis bilhões de pessoas vivendo neste planeta e mais nascendo a cada minuto, você provavelmente pensa que os seres humanos não são particularmente raros. Mas pare por um momento e tente pensar em quantas criaturas podem ser encontradas em um pequeno jardim ou lagoa - ou em uma clareira na floresta tropical. Para todo ser humano, existem milhões de outras criaturas de todos os tipos na terra. E entre todas essas formas de vida diferentes, quantas espécies têm a autoconsciência necessária para criar algo verdadeiramente significativo em suas vidas? E mesmo entre nossos irmãos e irmãs bípedes, não há muitos que estejam nas condições de vida necessárias, ou que demonstrem interesse, motivação ou até tenham o potencial interno necessário para promover o crescimento da consciência interior ou espiritual.
Muitas pessoas crescem em ambientes tão instáveis, empobrecidos ou violentos que qualquer coisa além da sobrevivência é um luxo inacessível. Outros vivem em regiões tão remotas ou sob a tirania de regimes repressivos que são incapazes de ouvir ensinamentos espirituais significativos, e muito menos colocá-los em prática. E  a algumas pessoas faltam a inteligência ou a inclinação para se iniciarem nas coisas no plano espiritual.
Você, no entanto, tem tempo, energia, interesse e liberdade para escolher este livro e aprender sobre o budismo. Suas condições de vida também podem permitir que você estude o budismo e observe o Dharma no seu tempo livre. Comparado a bilhões de outros seres, você tem uma oportunidade única. Então você poderia dizer que esta é "uma oportunidade rara e preciosa. Agora você tem que decidir o que fazer com isso.

A tartaruga e a canga

Extraída de fontes budistas tradicionais, a analogia que se segue ilustra vividamente como é incomum encontrar-se com a necessidade interior e com a necessidade exterior de se desenvolver espiritualmente.
Imagine que uma canga (usada para atrelar os bois) flutue na superfície de um vasto oceano. O vento e as correntes a jogam para cá e para lá. Nas profundezas do oceano vive uma tartaruga cega que, uma vez a cada 100 anos, sobe à superfície e tira a cabeça da água. Na próxima vez que a tartaruga ressurgir, as chances de passar a cabeça pela canga balançada pelas ondas são mínimas.
O budismo ensina que, se você não tirar proveito das oportunidades que lhe são apresentadas nesta vida, suas chances de voltar às condições ideais novamente em uma vida posterior serão ainda mais baixas do que as da tartaruga cega passando sua cabeça pela canga.
  Shantideva, um grande mestre espiritual indiano que viveu no século 8, escreveu: "Se você não está extraindo o significado de sua preciosa existência neste exato momento, então quando você pode esperar cair nela novamente? "

Encare a realidade com meditação sobre a  morte em nove etapas

O budismo ensina que, se você quiser tirar proveito dessa preciosa oportunidade de fazer algo significativo em sua vida, deve manter a realidade da morte em mente, como lembrete. E motivá-lo. Caso contrário, quando você chegar ao fim de sua vida, poderá se arrepender de perder seu tempo em ocupações desinteressantes.
  A meditação de nove etapas sobre a morte que oferecemos aqui, que é adaptada da tradição Vajrayana, visa ajudar os adeptos a tirar o máximo proveito de suas vidas e salvá-los de ter que enfrentar o arrependimento ou pânico que pode surgir se eles morrerem sem ter se preparado adequadamente para o inevitável.
Esta meditação é escrita para discípulos que estudam o Dharma diligentemente, mas você pode lê-la para ter uma ideia geral do que essa abordagem implica. Então, se você quiser continuar, pode estudar cada seção em detalhes, compará-la com sua própria experiência e examinar em profundidade as verdades que ela contém. Ao estudar os diferentes estágios desta meditação, tente mantê-los em mente, mesmo quando não estiver meditando, e veja se eles lhe interessam na sua vida cotidiana.
Portanto, a prática da meditação não será apenas um exercício intelectual, mas realmente influenciará a maneira como você viverá, bem como a maneira como você morrerá.
  Não oferecemos essa meditação, ou o restante do conteúdo deste capítulo, para torná-lo deprimido ou desmoralizado. O objetivo é exatamente o oposto! Você pode usá-lo para realizar sua ilusão de imortalidade e embarcar seriamente no caminho do desenvolvimento espiritual. Você pode achar isso perturbador, mas também esperamos que você ache isso instigante e até inspirador.

Se você tivesse apenas um ano para viver ...

Aqui está uma meditação sobre a vida diante da morte, adaptada do trabalho de Stephen Levine, um instrutor budista que trabalhou extensivamente com os moribundos.

1. Sente-se calma e confortavelmente por cerca de cinco minutos e
direcione sua atenção para o interior de si mesmo, para sua respiração: suas inspirações e exalações.
2. Agora imagine que você acabou de receber uma ligação de seu médico, que lhe disse que, depois de ler seus raios-x,  descobriu que você tinha câncer generalizado. Ele estima que você ainda tem um ano para viver. Respire fundo e expire - um ano para viver! Obviamente, você pode contestar essa avaliação, pedir mais diagnósticos e mover o céu e a terra para vencer esse câncer. Mas, por enquanto, basta receber esta notícia.
3. Observe os sentimentos que isso cria em você - talvez tristeza, raiva, medo ou arrependimento. Onde sua mente está levando você? Em direção à imagem trágica de deixar para trás aqueles que você ama; em direção ao pensamento assustador de morrer sozinho; pelos muitos erros e atos de maldade pelos quais você gostaria de se desculpar; a todos os lugares que você gostaria de visitar e a todas as pessoas que gostaria de ver antes de morrer?
4. Examine o que realmente mais importa para você agora. O que você deve fazer e dizer para sentir que os terminou antes de morrer, para sentir que não está deixando negócios inacabados para trás e que morrerá em paz?
Se você realmente tivesse apenas um ano de vida, o que faria para mudar sua vida, começando imediatamente?
Gaste pelo menos dez minutos observando seus pensamentos e sentimentos. 

De início, entenda que sua morte é inevitável

Primeiro, você precisa enfrentar a realidade, dura e fria: sua morte é certa. É uma realidade impossível de contornar. Você vai morrer, não há dúvida sobre isso. Para fortalecer essa conscientização, considere o seguinte: 

 Não há nada que você possa fazer para evitar o inevitável

Nada e ninguém poderão impedir que a morte finalmente aconteça. A maneira como você se cuida, se você é famoso ou não, se decide viajar ou não, nada fará diferença no final: a morte acabará por encontrá-lo.
Pense nos milhões e milhões de pessoas que estavam vivas cento e vinte anos atrás. Nenhum deles permanece vivo hoje. Por que a morte também não deveria lhe fazer uma pequena visita? Sua vida restante é constantemente reduzida. A cada batida do relógio, a cada batida do seu coração, o tempo que resta para viver é reduzido ainda mais. Quando um condenado é levado ao local da execução, cada passo que ele dá o aproxima de seu fim; o tempo está constantemente levando você na mesma direção. Você morrerá quer tenha realizado ou não algo que vale a pena em sua vida. Se você observar o Dharma, como ensinado pelo Buda Shakyamuni, ele não  diz que você pode ir muito longe em sua prática antes de comer os dentes-de-leão pela raiz. A morte não lhe dirá: "Ok, bem, espero até você terminar o que está fazendo. Não, não se preocupe, voltarei mais tarde. Da mesma forma, você não poderá mandar embora a morte de sua varanda ou desligar as luzes e fingir que não está em casa, se não estiver completamente pronto (é claro, seria bom se fosse possível )
Depois de examinar todas as maneiras pelas quais sua morte é certa - o que deve alimentar sua percepção de sua própria experiência e compreensão -, baixe o pé e decida que você, sem sombra de dúvida, deve fazer algo para evitar que sofra tanto agora como no futuro.
Esse "algo" é a prática do Dharma, ou seja, seguir o caminho espiritual.
  Esta meditação sobre a morte, embora pareça sinistra, não pretende deprimi-lo. Seu objetivo é mobilizá-lo e motivá-lo a buscar a libertação do sofrimento, imediatamente e não em um momento incerto no futuro.
Em outras palavras, podemos dizer que a meditação sobre a morte tem a intenção de deixá-lo sóbrio (sem a ducha fria ou o café preto e forte) e abrir os olhos para encarar uma verdade muito simples: nada permanece, tudo muda, e seu corpo um dia retornará ao pó.

Também esteja ciente de que a hora da sua morte é incerta

Quando entender que sua morte é absolutamente certa, você pode passar para a segunda das três considerações principais da meditação da morte: a hora exata da sua morte é extremamente incerta:


 A duração da vida humana não é fixada com antecedência. Embora as estatísticas possam calcular a expectativa média de vida de um homem ou mulher vivendo em um determinado país, você não tem garantia de que alcançará essa idade (e algumas pessoas podem não querer isso). Jovens podem morrer antes de seus pais e pessoas saudáveis ​​podem morrer antes de doentes.
Isso continua acontecendo.
Você pode preparar uma refeição deliciosa, talvez não viva o suficiente para terminar.
Você pode partir para uma jornada interessante, mas não é certo que você viverá o suficiente para completá-la.

Muitos fatores podem contribuir para sua morte.
Abra um dicionário médico e leia a longa lista de doenças fatais.
Abra um jornal e leia todas as maneiras pelas quais as pessoas estão morrendo. Existem muitas ameaças reais à sua existência, mas você tem relativamente poucos meios para se proteger. E mesmo algumas das coisas que devem prolongar sua vida podem derrubar a cortina do último ato.
Você precisa de comida para se manter saudável, mas milhares de pessoas engasgam e morrem todos os anos enquanto comem.
Tirar férias é a forma natural de trazer descanso e relaxamento, mas milhares de pessoas morrem em acidentes todos os anos durante as férias.
Seu corpo é frágil. Só porque você é forte e saudável não significa que é preciso muito para a morte. Algo tão insignificante quanto uma picada de alfinete pode trazer a infecção, doença e morte - tudo em muito pouco tempo.
Os jornais estão cheios de histórias sobre a morte de pessoas que aparentemente ainda estavam saudáveis ​​no dia anterior.
  Quando você perceber que o momento da sua morte é incerto, pode naturalmente concluir que não deve mais adiar sua prática do Dharma: você deve começar imediatamente. Você precisa entender que não se trata de ser rígido, nem de ter medo de se divertir, mas de permanecer vigilante com a realidade de cada momento que passa e de vivê-la de uma maneira tão lúcida e tão presente quanto possível. Isso é o que importa.

Para ilustrar, algumas manchetes de um tempo de muitas mortes, esse que estamos passando no momento que traduzo este livro. De ontem, 29 de março de 2020:

Itália tem 889 novas mortes por coronavírus neste sábado e passa de 10 mil vítimas”
“Espanha tem 832 mortes por Covid-19 em 24 horas; número é o mais alto registrado em um único dia no país”
“Coronavírus deixa mais de 1,7 mil mortos em um dia na Espanha e Itália”

  

Use a certeza de sua morte como um aliado espiritual

Finalmente, reflita no que poderá necessitar no momento de sua morte inevitável.

A riqueza não lhe servirá de nada.

Muitas pessoas passam quase todo o seu tempo tentando acumular tanto dinheiro e tanta propriedade quanto possível. Mas toda a riqueza do mundo não poderá livrá-lo da morte ("Camarada, pegue meu cartão de crédito e compre algo bom", esse plano não funciona, desculpe).
Rico ou pobre, todo mundo passará.
Além disso, não importa quantos itens você tenha coletado, você não poderá levar um único átomo com você. Na verdade, apegar-se às suas coisas só torna mais difícil seguir em frente na hora da morte.

Amigos e parentes não poderão ajudá-lo.

Mesmo que você seja a pessoa mais famosa ou popular do mundo, mesmo que um exército de fãs esteja ao seu lado, nenhum deles poderá protegê-lo da morte ou acompanhá-lo em sua última viagem.
Seu apego aos seus amigos (tanto quanto aos seus bens materiais) sem dúvida tornará mais difícil se desprender e morrer com uma mente pacífica.

E seu próprio corpo também não será capaz de ajudá-lo.
Durante toda a sua vida, você cuidou do seu corpo, vestiu-o e nutriu-o, e cuidou dele de todas as maneiras possíveis. Mas à medida que a morte se aproxima, seu corpo, em vez de lhe ser útil, pode facilmente se transformar em seu oponente. Mesmo se você seguiu uma prática espiritual, a dor do seu corpo moribundo pode dificultar muito seus esforços para concentrar sua mente no que você precisa fazer.



Todas essas considerações levam à conclusão inevitável de que apenas sua prática de Dharma (o que isso significa para você) pode ajudá-lo na hora de sua morte. Falamos sobre o Dharma nos capítulos 1 e 2 e ainda falaremos nos próximos. A morte é geralmente considerada um período durante o qual se pratica o Dharma o mais focado e ininterrupto possível, sem distração.

Colha os frutos da sua prática de meditação da morte


No princípio, enquanto você ainda estiver se familiarizando com a meditação da consciência da morte, poderá achar o assunto todo de mau gosto e bastante mórbido.
Porém, quanto mais você mergulhar nela, mais poderá se beneficiar com isso. Verdade, benefício.
Se você praticar sinceramente esta meditação, sua vida poderá começar a tomar uma direção e um propósito que ela não possuía antes. E sua prática espiritual, independentemente da forma que assuma, provavelmente ficará mais forte. Se você é um budista praticante e leva a sério a consciência da morte, também pode descobrir que sua atitude ao se aproximar da morte também mudou.

  
*      Como iniciante, você provavelmente ainda está com medo de morrer, mas pelo menos não tem nenhum arrependimento, sabendo que fez tudo o que pode e não desperdiçou sua vida. .
*      Como seguidor intermediário,  pode não estar feliz por morrer, mas não tem medo, porque está confiante de que pode lidar com a morte e o que virá a seguir, seja qual for a sua natureza.
*      Como um seguidor avançado, você provavelmente acolherá a morte porque sabe que será a porta para a iluminação.

  
Algumas atitudes budistas em relação à morte

Dissemos que queremos tratar a morte de uma perspectiva budista. Mas a realidade é que nem todos os budistas compartilham a mesma visão sobre o assunto. Como em muitos temas do Dharma, cada tradição budista tem sua própria maneira distinta de abordar a morte e o processo da morte. Todas as tradições budistas concordariam que a morte é poderosamente motivadora, que a verdade de quem você é não morre (apenas seu corpo e sua personalidade) e que o momento de sua morte pode ser particularmente conveniente para você descobrir a verdade superior de quem você realmente é.
Mas, embora tradições diferentes compartilhem a mesma atitude ou tenham atitudes semelhantes sobre o assunto, geralmente enfatizam aspectos diferentes dessa experiência.
As seções a seguir oferecem uma breve visita guiada às diferentes maneiras pelas quais as principais tradições budistas veem a morte.
Embora este breve estudo não possa ser exaustivo, é amplo o suficiente para lhe dar uma ideia da riqueza das abordagens budistas para esse importante tópico.

  
Para os Theravada, a morte é apenas a fronteira entre o fim de uma vida e o início da próxima.

O tema do primeiro discurso do Buda (conforme relatado no cânone Pali da tradição Theravada) trata dos meios de se libertar do ciclo da existência, o samsara.
O Samsara às vezes é chamado de círculo vicioso, porque é formado por um ciclo repetidamente infinito de nascimentos, vidas, mortes e renascimentos; nestas existências sucessiva, não é possível encontrar satisfação duradoura.
O objetivo do ensino Theravada é acabar com esse círculo vicioso e alcançar a paz indescritível do nirvana, isto é, a libertação completa de todo sofrimento e insatisfação. Como a morte é apenas a fronteira entre o fim de uma vida e o início da próxima, seu sofrimento não termina quando você morre. A morte apenas acelera seu próximo renascimento. A única solução real é, portanto, parar de renascer. Como fazer isso? Curiosamente, é precisamente percebendo que ninguém morre e ninguém renasce!
"Isso é ridículo !, Você pode se opor. É claro que sou eu quem morrerá e - se o renascimento existir (do qual não tenho certeza) - sou eu quem renascerá. Mas quem ou o que é esse "eu" de quem você está falando?
Ao procurar uma resposta para esta importante pergunta, você pode resolver o enigma do nascimento, morte e renascimento. Portanto, endireite completamente as costas do seu assento e aperte o cinto, porque você está embarcando em uma jornada que pode ser um pouco agitada!
Usar o termo "eu" é apenas uma maneira conveniente de falar ou pensar sobre uma série interminável de eventos que acontecem no seu corpo e na sua mente: estou com dor de cabeça; Eu não gosto dessa dor; Eu vou tomar uma aspirina; Eu me pergunto se algo será feito a respeito; Eu me sinto um pouco melhor, etc.
Todas essas sensações, esses pensamentos, todas essas memórias, esses
sentimentos, prazeres, desgostos, etc. constantemente borbulham em sua mente, duram apenas um curto período de tempo e depois desaparecem; melhor,  tudo é substituído por outros. Eles parecem se relacionar com um "eu" permanente e imutável, mas onde exatamente é esse "eu"? No seu cérebro? No seu corpo? No seu coração?
  Se você olhar mais de perto o que está sentindo, tudo o que encontrará são esses eventos físicos e mentais em constante mudança. Não há mais nada a descobrir, exceto esses eventos momentâneos. Não importa se você pesquisa em profundidade ou não, você não encontrará um "eu" separado, imutável e independente no centro do seu ser que experimenta todas essas experiências. Você encontrará apenas essas experiências momentâneas, uma fazendo surgir a seguinte.
  O ciclo da morte e do renascimento funciona da mesma maneira: não existe um eu sólido e imutável que morra e renasça; existe apenas o fenômeno desses eventos momentâneos em constante mudança que se repetem. Para interromper esse mecanismo e se libertar do ciclo da existência (samsara), você deve abandonar sua crença natural de que existe um "eu" (ou "eu"). Essa crença equivocada em um "eu" concreto alimenta os desejos e apegos que o prendem à roda da existência. A visão profunda do não-eu, ou seja, a penetração da inexistência do eu, que permite que você supere sua crença na existência de um "eu" concreto, também permite que você se liberte desta roda.
O objetivo da prática Theravada é desenvolver um tal grau de penetração psicológica (ou visão profunda) da verdadeira natureza da sua existência, que faça  as causas do renascimento no samsara desaparecerem ou secarem. É quando você recebe o nirvana.

Para Vajrayana, trata-se de transformar a experiência da própria morte em um caminho para a Iluminação.

Para os Theravada, a morte é apenas a fronteira entre o fim de uma vida e o início da próxima.

O tema do primeiro discurso do Buda (conforme relatado no cânone Pali da tradição Theravada) trata dos meios de se libertar do ciclo da existência, o samsara.
O Samsara às vezes é chamado de círculo vicioso, porque é formado por um ciclo repetidamente infinito de nascimentos, vidas, mortes e renascimentos; nestas existências sucessiva, não é possível encontrar satisfação duradoura.
O objetivo do ensino Theravada é acabar com esse círculo vicioso e alcançar a paz indescritível do nirvana, isto é, a libertação completa de todo sofrimento e insatisfação. Como a morte é apenas a fronteira entre o fim de uma vida e o início da próxima, seu sofrimento não termina quando você morre. A morte apenas acelera seu próximo renascimento. A única solução real é, portanto, parar de renascer. Como fazer isso? Curiosamente, é precisamente percebendo que ninguém morre e ninguém renasce!
"Isso é ridículo !, Você pode se opor. É claro que sou eu quem morrerá e - se o renascimento existir (do qual não tenho certeza) - sou eu quem renascerá. Mas quem ou o que é esse "eu" de quem você está falando?
Ao procurar uma resposta para esta importante pergunta, você pode resolver o enigma do nascimento, morte e renascimento. Portanto, endireite completamente as costas do seu assento e aperte o cinto, porque você está embarcando em uma jornada que pode ser um pouco agitada!
Usar o termo "eu" é apenas uma maneira conveniente de falar ou pensar sobre uma série interminável de eventos que acontecem no seu corpo e na sua mente: estou com dor de cabeça; Eu não gosto dessa dor; Eu vou tomar uma aspirina; Eu me pergunto se algo será feito a respeito; Eu me sinto um pouco melhor, etc.
Todas essas sensações, esses pensamentos, todas essas memórias, esses
sentimentos, prazeres, desgostos, etc. constantemente borbulham em sua mente, duram apenas um curto período de tempo e depois desaparecem; melhor,  tudo é substituído por outros. Eles parecem se relacionar com um "eu" permanente e imutável, mas onde exatamente é esse "eu"? No seu cérebro? No seu corpo? No seu coração?
  Se você olhar mais de perto o que está sentindo, tudo o que encontrará são esses eventos físicos e mentais em constante mudança. Não há mais nada a descobrir, exceto esses eventos momentâneos. Não importa se você pesquisa em profundidade ou não, você não encontrará um "eu" separado, imutável e independente no centro do seu ser que experimenta todas essas experiências. Você encontrará apenas essas experiências momentâneas, uma fazendo surgir a seguinte.
  O ciclo da morte e do renascimento funciona da mesma maneira: não existe um eu sólido e imutável que morra e renasça; existe apenas o fenômeno desses eventos momentâneos em constante mudança que se repetem. Para interromper esse mecanismo e se libertar do ciclo da existência (samsara), você deve abandonar sua crença natural de que existe um "eu" (ou "eu"). Essa crença equivocada em um "eu" concreto alimenta os desejos e apegos que o prendem à roda da existência. A visão profunda do não-eu, ou seja, a penetração da inexistência do eu, que permite que você supere sua crença na existência de um "eu" concreto, também permite que você se liberte desta roda.
O objetivo da prática Theravada é desenvolver um tal grau de penetração psicológica (ou visão profunda) da verdadeira natureza da sua existência, que faça  as causas do renascimento no samsara desaparecerem ou secarem. É quando você recebe o nirvana.

Para Vajrayana, trata-se de transformar a experiência da própria morte em um caminho para a Iluminação.


Nas tradições vajrayana do Tibete e regiões vizinhas, a morte é mais do que apenas uma realidade desagradável de suportar; é uma oportunidade que um seguidor devidamente treinado pode usar como um caminho para a iluminação.
Para transformar a morte em um caminho espiritual, é preciso conhecer muito bem o processo da morte. Você precisa ter um bom entendimento conceitual dos estágios pelos quais irá passar ao morrer e deve poder repeti-lo em sua prática diária de meditação (e até em seus sonhos) como se estivesse realmente acontecendo.
De fato, quando os iogues tântricos (ou seja, seguidores avançados do Vajrayana) chegam ao fim de suas vidas, eles já estão "mortos" várias vezes e, portanto, sabem exatamente o que esperar.
De acordo com o ensino de Vajrayana, sua forma física não é o único corpo que você tem. Sob ele há um corpo mais "sutil". Todas as energias que sustentam suas funções físicas e mentais (incluindo o funcionamento de seus sentidos, seu sistema digestivo e até a maneira como sua mente processa pensamentos e emoções) circula neste corpo subjacente. Se você se familiariza com a acupuntura chinesa, como ela manipula a força que chama de chi ou como a ioga hindu direciona a respiração sutil, ou o prana, então você tem uma ideia do tipo de energia sobre o qual estamos falando aqui.
  O principal objetivo da prática do vajrayana é despertar uma energia muito mais sutil do que todas as outras energias que circulam em você. Quando você conseguir, alcançará o que é chamado de "espírito de luz clara", que é o tesouro inestimável do yogi tântrico. Quando essa percepção penetrante é combinada com uma sabedoria perspicaz, ela pode queimar todas as obstruções em sua mente, permitindo que você experimente a pureza do Despertar total durante essa curta vida (em qualquer caso, essa é a teoria)
Obter a Iluminação dessa maneira é uma façanha extraordinária, e mesmo seguidores habilidosos do Vajrayana podem não alcançar esse sucesso total em suas vidas. No entanto, todo ser humano, aplicando ou não essas técnicas avançadas de meditação, experimenta naturalmente uma luz clara na hora da morte, pelo menos por um momento. Quanto mais preparado você estiver, mais poderá permanecer plenamente consciente durante essa experiência da clara luz da morte e usá-la como seu caminho espiritual para a iluminação. Mesmo que você não consiga acordar completamente, ainda poderá direcionar sua mente (usando uma técnica poderosa que os tibetanos chamam de powa, ou transferência de consciência), para que  possa renascer conscientemente num reino puro da existência (que se convencionou chamar o campo de Buda ou Terra Pura), no qual tudo o leva a alcançar a iluminação completa.
Mas, caso você não chegue a um campo de Buda, sua preparação ainda será preciosa. Isso lhe proporcionará, por assim dizer, uma vantagem inicial em sua próxima vida. Permanecendo o mais consciente possível durante o processo de morrer e controlando seu renascimento,  outros benefícios podem ser acrescidos em suas vidas futuras.
Essa abordagem se encaixa no voto de compaixão, que é dedicar sua prática à libertação dos outros, em vez de sua própria libertação do samsara. Os tibetanos têm uma tradição única no mundo, na qual lamas extremamente habilidosos que podem conduzir seu renascimento são descobertos e depois criados de uma maneira que lhes permite continuar suas práticas espirituais de uma vida para a outra. Por exemplo, o décimo quarto Dalai Lama foi descoberto quando criança e considerado a reencarnação, ou tulku, do décimo terceiro Dalai Lama.
A tradição Vajrayana não é a única tradição budista que usa o processo da morte como um caminho para a iluminação. Durante séculos, os seguidores das tradições chinesas e japonesas do budismo da Terra Pura usaram sua devoção ao Buda Amitabha como um meio de acessar seu campo de Buda quando morreram.
Em todos esses casos, se você pratica um método iogue altamente técnico ou confia na sua fé, devoção e intenções altruístas, a morte deixa de ser um obstáculo ao seu desenvolvimento espiritual e se torna uma oportunidade para avançar.

Para o Zen, você deve morrer da "grande morte" antes de realmente morrer
Na tradição do zen-budismo, uma das marcas daqueles que são verdadeiramente iluminados é a ausência de medo da morte.
Quando você percebe que você é o vasto oceano da existência, a vida e a morte no nível relativo tornam-se simples ondas que surgem e caem na superfície de você mesmo. Seu corpo físico, sem dúvida, morrerá, e esta vida que você atualmente leva no tempo e no espaço, sem dúvida, chegará ao fim, mas você continua sendo a realidade imortal, eterna e imutável - ainda chamada de verdadeiro espírito, ou verdadeiro eu - que subjaz à vida como a morte.
  Há uma famosa história zen que ilustra muito bem essa consciência.
Um samurai conhecido por sua crueldade e ferocidade, está devastando e pilhando uma vila com seu bando, quando vê o mestre zen local sentado, meditando em silêncio. O samurai fica atrás do mestre, aplica a lâmina afiada do sabre no pescoço do mestre e diz em tom zombeteiro: "Você sabia que eu poderia cortar sua cabeça sem piscar? O mestre respondeu calmamente: "Quanto a mim,  poderiam cortar minha cabeça sem que eu piscasse.” Abalado profundamente com a resposta e percebendo que havia encontrado alguém muito mais forte que ele, o samurai curvou-se imediatamente para o mestre e se tornou seu discípulo.
  A consciência de que você é o imortal, que ocorre no momento do despertar completo (daikensho em japonês), é paradoxalmente designada por "grande morte", porque indica o fim da ilusão de ser um eu separado. É por essa razão que o Zen pede que você "morra antes de morrer" (como fez o mestre da história que precede), o que significa que você pode terminar a separação (a ideia de um "eu" separado) e tornar-se consciente de sua unidade com a vida como um todo. Só então a morte perde seu controle sobre você. Num nível mais cotidiano, o Zen enfatiza que você deve se dedicar a cada atividade de maneira tão diligente que se perca completamente nela e que não deixe para trás nenhum traço de um eu separado. Na verdade, o Zen faz você morrer a todo momento antes de morrer para sempre - para liberar todo apego e controle com toda ação e toda inspiração, assim como você deve liberar na hora da morte.

Como lidar com a morte de um ente querido?

O budismo oferece várias práticas para superar o medo da morte, percebendo que não existe um eu separado que possa morrer. No entanto, ele também reconhece que a maioria das pessoas não tem um entendimento tão profundo da realidade das coisas; portanto, elas naturalmente têm medo da morte e ficam tristes quando perdem alguém que amam. O budismo considera essa dor perfeitamente normal e compreensível e a acolhe com compaixão como uma expressão natural da condição humana. Afinal, se seu coração estiver sinceramente aberto aos outros e você realmente desejar o melhor para eles, assistir à morte deles pode ser extremamente triste.
  Ao mesmo tempo,  um vislumbre preliminar de conceitos como efemeridade, imortalidade, não-eu e vazio (associado a uma certa apreciação da natureza do apego e do sofrimento que a morte pode causar) pode ajudar a aliviar sua dor. A meditação budista, simplesmente vivendo a experiência como ela é, pode trazer um grande alívio ao permitir que a dor venha à tona e, por fim, liberá-la. Se você não bloquear sua dor profunda, sua tristeza e se não permitir que elas se transformem em raiva ou amargura, elas podem realmente estimular seu sentimento de compaixão pelo sofrimento dos outros.
A compaixão pelos muitos milhões de pessoas em todo o mundo que atualmente estão passando por experiências semelhantes de separação e dor é uma preciosa qualidade espiritual. Qualquer que seja sua reação à morte de um ente querido, o que mais importa, do ponto de vista budista, é ser gentil e compassivo consigo mesmo. Em vez de usar a filósofia budista para tentar negar ou relativizar sua tristeza, você pode ternamente deixar que sua experiência seja exatamente o que ela é, o que pode lhe proporcionar um tremendo alívio. Essa aceitação incondicional da maneira como as coisas são é o cerne do budismo.
Tradução do capítulo 9 finalizada em 16 de abril de 2020, em plena manifestação da morte pelo coronavírus. Mojimirim, 15h42

terça-feira, 17 de março de 2020


capítulo 8

O que é o Despertar?


*     O que torna o despertar espiritual tão extraordinário?
*     Vamos seguir o caminho tradicional para o nirvana.
*     Vamos apontar o Grande Veículo na Rodovia do Despertar.
*     Vamos estudar o que é o Despertar nas tradições Zen e Vajrayana.

"... lembre-se de que as palavras podem indicar apenas dimensões da experiência que na verdade são simplesmente indescritíveis por palavras. Uma analogia tradicional do budismo diz que as palavras são como dedos apontando para a lua cheia. Se você parar nos dedos, talvez nunca consiga admirar o magnífico espetáculo da lua no céu. "

Os muitos aspectos da realização espiritual

Se você ler as histórias dos grandes místicos e sábios de todo o mundo, descobrirá que há uma variedade estonteante de formas e dimensões de experiências espirituais. Por exemplo:

ü  certos xamãs ameríndios entram em estados de transe, nos quais viajam a outras dimensões para encontrar aliados e outras fontes de cura para os membros de sua tribo;
ü  Embora essas experiências possam ter um impacto de transformação espiritual em uma pessoa, elas não necessariamente proporcionam iluminação, de acordo com a definição budista desse termo. De fato, a maioria das tradições budistas subestima a importância de visões, vozes, poderes, energias e estados alterados de consciência, alegando que todos esses fenômenos apenas desviam os seguidores do verdadeiro objetivo do empreendimento espiritual, que é uma visão profunda verdadeira e libertadora da natureza essencial da realidade.
ü  A lição básica do budismo sobre impermanência indica que mesmo as experiências espirituais mais fortes aparecem e desaparecem como nuvens no céu. O objeto da prática é chegar a uma verdade tão profunda e fundamental que não muda porque não é uma experiência: é a natureza da própria realidade. Essa inegável e imutável consciência é chamada Despertar.

  Um dos principais ensinamentos de Buda são as Quatro Nobres Verdades nas quais ele explica a natureza e a causa do sofrimento e designa um "Caminho Nobre Óctuplo" para eliminá-lo.
Esse caminho culmina no Despertar, no qual todo sentimento de separação desaparece e, com ele, emoções e estados mentais negativos, baseados em ilusões de separação, como ganância, raiva, ciúme, inveja e medo. (As várias tradições budistas têm diferenças de opinião sobre o que é revelado quando esse sentimento de separação desaparece; falaremos disso um pouco mais tarde.)
O Buda também ensinou que todos os seres têm o mesmo potencial de iluminação que ele mesmo. Em vez de se considerar um caso especial e superior, o Buda enfatizou que ele era apenas um ser humano com as mesmas tendências internas e as mesmas tentações que os outros. Uma das verdades de que ele tomou conhecimento sob a árvore Bodhi foi essa igualdade espiritual essencial. A única coisa que distingue as pessoas comuns do Buda, ele ensinou, são visões distorcidas, apego e sentimentos de aversão que escondem a verdade de nós. Todas as tradições do budismo, sem dúvida, concordariam com as explicações básicas para a iluminação que descrevemos atrás - afinal, essas explicações vêm dos primeiros discursos de Buda, aqueles que são universalmente aceitos . Porém, as tradições diferem no conteúdo do Despertar e nas maneiras específicas de obtê-lo.

*     Qual é o verdadeiro propósito da vida espiritual?
*     O que você percebe quando se ilumina e como chega lá?

Parece incrível, mas as respostas a essas perguntas realmente mudaram ao longo dos séculos, à medida que o budismo evoluía. A maioria das tradições acredita que sua versão do Iluminismo é exatamente a mesma do Buda. Alguns até afirmam que a deles é a única autêntica - aquela consciência mais profunda e secreta que o Buda nunca ousou revelar em sua vida.
Outros comentaristas insistem que as realizações dos mestres budistas mais recentes transportaram a prática e a iluminação para dimensões que o próprio Buda nunca antecipou. Seja qual for a versão correta, o certo é que as tradições diferem significativamente.
  No restante deste capítulo, oferecemos uma breve apresentação do Despertar a partir das respectivas perspectivas de três tradições diferentes: Theravada, Vajrayana e Zen.
Embora essa visão geral certamente não possa cobrir toda concepção de iluminação (mesmo que apenas dentro do próprio budismo), ela abrange o essencial, pelo menos o máximo possível de palavras. Por fim, e com base nisso, todas as tradições concordam, o Iluminismo supera até o entendimento intelectual mais refinado e simplesmente não pode ser entendido dentro de nossa estrutura conceitual usual.
Ao ler as seções a seguir, lembre-se desse velho ditado budista: quando você está com fome, apenas olhar bolos em uma padaria não é suficiente para encher o estômago. Você pode vê-los o quanto quiser, durante todo o dia, mas não satisfará sua fome até que  realmente os coma. Da mesma maneira, você poderá ler dezenas de livros sobre o Despertar, mas não entenderá realmente do que estamos falando até conseguir ter uma ideia da experiência em si.
Isso é um convite para entrar no budismo?  - Absolutamente!

O nirvana  do Theravada

A tradição Theravada baseia seus ensinamentos e suas práticas no cânon Pali, uma coleção de discursos do Buda (os suttas, em Pali) que foram preservados por memorização por monges que estavam na plateia e decoraram essas pregações, para os transmitir oralmente a muitas gerações.
Finalmente, eles foram escritos, mais de quatro séculos após a morte do Buda. (Para alguém que tem dificuldade em lembrar até alguns números de telefone, essas habilidades de memorização estão além da compreensão.) Como esses ensinamentos podem ser diretamente atribuídos às palavras do Buda histórico, alguns apoiadores da tradição theravada afirmam que eles representam o budismo de origem, ou seja, o budismo que realmente ensinou o Iluminado, que  pretendia que fosse praticado e  entendido.Por isso muitas tradições consultam o cânone Pali, pois o consideram uma fonte confiável das primeiras visões profundas do Buda.
A tradição Theravada explica um caminho de prática e conscientização que leva o seguidor a quatro estágios do Despertar, que culminam no nirvana (nibbana em Pali), ou seja, a libertação completa do sofrimento.
O caminho em si consiste em três aspectos ou treinamentos:
- conduta ética (disciplina moral),
- meditação (disciplina mental) e
- visão profunda (sabedoria).

Definição de nirvana

Como o Buda considerava a sede (ou seja, a luxúria, o desejo) e o apego como duas das raízes de todo sofrimento, ele frequentemente definia o nirvana como a saciedade da sede ou a extirpação do desejo.
  O termo nirvana significa literalmente "respirar", “soprar” e se refere à chama do desejo que nos faz renascer indefinidamente, nós, seres não-iluminados. Quando você alcança o nirvana, apaga essa chama e se liberta de toda negatividade. Não apenas a sede e o apego não existem mais, mas o ódio, a raiva e a ignorância também desaparecem à medida que o senso do eu-separado se dissolve. Só porque os termos usados ​​para denotar o nirvana enfatizam a ausência de certas qualidades indesejáveis ​​não significa que o próprio nirvana seja negativo. Esses termos aparentemente negativos mostram uma verdade incondicional que vai além da linguagem e não pode ser descrita em palavras precisas. Em sua sabedoria, o Buda percebeu que termos positivos, que parecem descrever um estado limitado, provavelmente seriam mais enganosos do que úteis, porque o nirvana não é um estado e também não tem. limites.
  Na tradição Theravada, o nirvana é considerado a verdade absoluta, a total consciência das coisas como elas são: tudo está em constante mudança e não possui uma essência indestrutível permanente, ou seja, nada de "eu" (o atman do hinduísmo). Quando a ilusão de um eu separado é
completamente dissolvido, apenas o nirvana permanece. Também não há mais a tendência de se referir ou proteger um eu separado, porque fica claro que esse eu nunca existiu, exceto na forma de uma série de pensamentos e sentimentos acorrentados um após o outro. Também não há a menor insatisfação, porque todos os vestígios de sede e desejo desapareceram. Se o nirvana tem um sentimento ou tom específico, geralmente é retratado como tranquilidade, contentamento e felicidade inabaláveis.
Então, isso tenta você?

Os quatro estágios no caminho para o nirvana

  Ao guiar seus discípulos durante os quarenta e cinco anos de sua vida dedicados a seus ensinamentos, o Buda distinguiu quatro níveis ou estágios distintos de realização, cada um marcado por uma profunda experiência de visão direta da ausência de si, seguida por certas mudanças nas concepções e comportamento. A experiência geralmente ocorre durante intensa meditação, quando a atenção se concentra e segue um estudo aprofundado e a compreensão das verdades básicas do budismo (especialmente em relação às três características da existência:  o não-eu,  a impermanência e a insatisfação). A lista a seguir explica os quatro estágios distintos do seguidor no caminho para o nirvana.

 "Quem entrou na corrente":

- a primeira visão direta e profunda do não-eu geralmente é a mais forte, porque é diferente de tudo que o seguidor já conhece. Por um momento que parece eterno (e pode na realidade durar apenas um instante), não há ninguém, ou seja, não há nenhum vestígio de um eu separado. Um grande sentimento de alívio, normalmente acompanhado de alegria e felicidade, segue frequentemente essa experiência: finalmente, ele teve a visão profunda que procura há tanto tempo. Finalmente, ele "entrou no fluxo" de realização. Quando você chega a esse estágio, nunca mais pode acreditar que é verdadeiramente um eu separado, que vive dentro de sua cabeça e olha através de seus olhos. Sua experiência eliminará para sempre essa ilusão. Quando você olha para dentro, não poderá encontrá-lo em lugar nenhum. Na vida cotidiana, no entanto, você ainda pode se sentir como um corpo separado e pode ser atormentado pela ganância, raiva, ignorância e vários outros sentimentos e hábitos negativos. Felizmente, o estágio de quem entrou na corrente também traz confiança e compromisso inabaláveis ​​ao caminho espiritual budista, e, portanto, você será motivado a continuar aprofundando e refinando sua consciência.

"Aquele que volta uma vez":

- depois de entrar na corrente, a prática do seguidor é projetada de tal maneira que ele se lembre do não-eu, assim como presta atenção às maneiras pelas quais ele ainda se apega a certas coisas e a sua resistência à vida à medida que se desenrola. Depois de um tempo (geralmente anos de prática diligente), durante os quais a concentração se torna mais forte e a mente se torna ainda mais serena, ele tem uma segunda visão direta direta do não-eu. (Lembre-se de que uma coisa é conhecer esse fenômeno na forma de um conceito ou uma memória, mas experimentá-lo diretamente, além do intelecto, é outra, totalmente diferente.) Este olhar profundo (essencialmente o mesmo que o primeiro, mas ainda mais forte e mais claro) gera uma redução significativa no apego, na aversão e no sofrimento que acompanham esses estados de espírito. Por exemplo, irritações ou preferências ocasionais substituem o ódio e a ganância, que não dominam mais quem volta apenas uma vez. Quem chegar a esse estágio terá apenas um renascimento antes de estar totalmente acordado, daí o nome.

 "Aquele que nunca volta":

- após a experiência que sinaliza a entrada nesse estágio, todos os piores aborrecimentos, como ódio, ganância, ciúme e ignorância, caem completamente, mas ainda há um traço de senso de si (um "eu" ) e, com ele, o menor traço de agitação e insatisfação também permanece na área. A experiência da visão profunda em si raramente é acompanhada de emoção ou excitação, apenas reconhecemos o que vimos duas vezes antes. Aqueles que nunca voltam "parecem extremamente felizes, pacíficos e sem o menor desejo, mas ainda mostram uma preferência sutil por experiências positivas e não negativas.

O arhat:

 - Nesse ponto, o caminho produz seu fruto final, que é o nirvana: todos os traços residuais de um eu separado desaparecem para sempre. Comparamos essa experiência, frequentemente acompanhada de uma felicidade inimaginável, a mergulhar nas profundezas de uma nuvem para aí desaparecer. Quando você chegar a esse estágio, as situações da vida não terão mais influência sobre você; experiências positivas ou negativas não causarão a menor sede ou insatisfação. Como o Buda disse, tudo o que precisava ser feito foi feito. Não há mais nada a alcançar. Você chegou ao fim da trilha e não é mais necessário renascer.


O surgimento de duas grandes tradições de sabedoria

À medida que o budismo se desenvolvia ao longo dos séculos, surgiram várias escolas, que diferiam na maneira como delineavam o caminho da iluminação e como entendiam o propósito do mesmo caminho.
A tradição mahayana ("Veículo Grande"), que deu origem a várias escolas ainda populares hoje em dia, transformou a experiência da visão do não-eu (anatman em Sânscrito) na experiência da visão da vacuidade (vazio). A ideia de vazio é um pouco mais abstrata do que o conceito do não-eu e mais difícil de explicar em palavras. Mas continue lendo, você provavelmente terá uma boa ideia do que significa vazio antes de terminarmos nossas explicações! Os dois principais ramos do Mahayana entendem o vazio (ou realidade última) de duas maneiras bem diferentes. A escola Madhyamika (termo em sânscrito que significa "doutrina do meio") se recusou a afirmar qualquer coisa sobre a realidade suprema. Pelo contrário, seus apoiadores optaram por refutar e questionar quaisquer afirmações positivas feitas por outras escolas. O resultado deixou os seguidores sem nenhuma crença ou ponto de vista a que se agarrar, o que efetivamente lhes ‘puxou o tapete’ sob sua mente conceitual (intelecto) e os forçou a, nas palavras do grande texto mahayana que é o Sutra do Diamante, "cultivar o espírito que não mora em lugar nenhum", o vasto, quente e desapegado espírito do Despertar.
Em contraste, a escola Yogachara (termo em sânscrito para o "caminho da ioga") alegou que tudo é apenas espírito ou consciência. (Essa visão está por trás do outro nome desta escola, Chittamatra, ou ‘Consciência. Os grandes mestres do Yogachara ensinaram que a consciência é a essência ou espírito que inspira e anima o mundo material, e que podemos experimentá-lo diretamente em meditação profunda.
Em última análise, de fato, não há separação entre o espírito do adepto e o mundo exterior - o interior e o exterior são inseparáveis.
  Da união das escolas Madhyamika e Yogachara vieram os dois grandes representantes da tradição Mahayana ("Grande Veículo"), Vajrayana e Zen. Ao longo dos séculos, muitos mestres do Zen e do Vajrayana perceberam e ensinaram que "a consciência sozinha" e o "vazio" são apenas palavras diferentes que designam a mesma realidade indivisível e não dual. (A propósito, se alguns desses conceitos parecerem abstratos demais para você, não se preocupe, eles devem ficar mais claros nas seções a seguir. E pode ser útil lembrar que a compreensão do entendimento de vazio é o ponto culminante do caminho do budismo mahayana e pode levar anos para chegar lá!)

A consciência da pureza essencial do espírito no Vajrayana

  A tradição vajrayana (ou tântrica) do budismo, que começou na Índia e floresce no Tibete, mantém a noção básica de não-eu e a desenvolve. Depois de olhar profundamente em seu coração e mente  e descobrir a verdade do não-eu, você naturalmente se abre para uma consciência mais profunda da natureza da mente (ou consciência), que é pura, vasta, luminosa, clara, impossível de localizar, ilusória, alertada e essencialmente não-dual. O termo "não-dual" significa simplesmente que o sujeito e o objeto, a matéria e a mente "não são dois", ou seja, embora sejam diferentes no cotidiano, são inseparáveis ​​e são um no nível da essência (esta é a "dupla verdade"). Por exemplo, você e o livro à sua frente são obviamente diferentes, mas são essencialmente expressões de um todo inseparável. Não espere que agora expliquemos isso, - essa unidade - com palavras que a mente possa entender, embora místicos e poetas tenham tentado isso há milhares de anos. Se você quiser saber mais, precisará fazer isso sozinho. A natureza do espírito não é apenas fundamentalmente pura, radiante e consciente, mas também se manifesta espontaneamente e em todos os momentos como uma atividade de compaixão pelo bem de todos os seres. Embora o pensamento conceitual não possa compreender a natureza da mente, é possível tornar-se consciente desse espírito da natureza (como o não-eu) através da meditação em uma série de experiências cada vez mais profundas que culminam na tomada de consciência  plena, que é o estado de Buda. No Vajrayana, o caminho para a iluminação completa começa com o cultivo intensivo de qualidades positivas, como bondade e compaixão, e depois prossegue com o desenvolvimento de vários níveis de visão profunda na natureza da mente. Os adeptos são ensinados a visualizar a si mesmos como a própria personificação do Despertar, e depois a meditar em seu estado inerente de Despertar, isto é, na natureza de Buda (Estado de Buda).
  Em geral, seguir o caminho do início ao fim requer um instrutor licenciado, prática árdua, compromisso sincero e muitos retiros intensivos.

Uma abordagem direta da realização

Além das práticas de visualização, o Vajrayana oferece uma rota mais direta para a iluminação conhecida como Mahamudra-Dzogchen, considerado o ensino mais alto da tradição tibetana.
Dzogchen significa "grande perfeição" em tibetano, e Mahamudra é um termo sânscrito que significa "grande selo".
Esses dois termos se referem ao conhecimento de que tudo já está perfeito como está. Essas duas abordagens evoluíram separadamente em duas escolas separadas, mas geralmente são consideradas duas expressões ligeiramente diferentes da mesma consciência não dual, vista atrás. Tradicionalmente, apenas os seguidores que concluíram anos de prática preliminar se qualificaram para aprender MahamudraDzogchen, mas hoje no Ocidente, qualquer pessoa  sincera e motivada o suficiente para participar de um retiro pode explorar essa abordagem da iluminação.
  No Dzogchen, os instrutores fornecem a seus discípulos uma introdução direta à natureza do espírito.
Os discípulos tentam integrar esse ensino à meditação e à vida cotidiana. O objetivo é incorporar essa consciência até que a separação entre meditação e não-meditação se rompa e a mente esteja continuamente consciente de sua própria natureza inerente em cada situação. Em Mahamudra, os seguidores primeiro aprendem a acalmar a mente e depois usam a calma assim obtida como base para explorar mais profundamente sua natureza. Quando a mente reconhece sua própria natureza, os seguidores repousam o máximo possível nessa natureza da mente. (Não nos pergunte o que "repousa" significa aqui, pois esse conceito, como muitos outros neste capítulo, escapa às palavras.) Embora a abordagem de MahamudraDzogchen possa ser considerada direta, seu domínio é extremamente difícil e pode exigir uma vida, no mínimo.

Entenda o que é a iluminação completa de um Buda

A tradição Theravada considera que o objetivo da prática espiritual, do qual o arhat dá o exemplo, pode ser perfeitamente alcançado nesta vida por qualquer seguidor sincero, seja quem for.
Na época do Buda, muitos discípulos chegaram à plena consciência e se tornaram arhats reconhecidos, o que significa que a consciência do não-eu era essencialmente a mesma do Buda. Na tradição Vajrayana, por outro lado, alcançar o estado de Buda parece ser um ideal superior.
Aqueles que estão totalmente despertos experimentam o fim de todo desejo e todas as outras emoções negativas, mas esses seres realizados também exibem "dez milhões" de qualidades benéficas, incluindo amor e compaixão ilimitados, sabedoria infinita que tudo vê, constante atividade despertada para o bem de todos os seres, e a capacidade de acelerar o progresso de outros no caminho da iluminação. O  corpo de um ser plenamente realizado possui trinta e duas marcas principais e oitenta marcas menores de Buda, características reconhecidas em toda a Ásia budista.
Escusado será dizer que muitos devotos (especialmente no nível de iniciantes da prática) talvez considerem um estágio tão avançado de realização como um sonho distante e inacessível.
Sem dúvida, esse sentimento pode ser exacerbado pelas muitas histórias de sábios excepcionais que meditam durante anos em cavernas nas montanhas e alcançam não apenas clareza de diamante e compaixão inesgotável, mas também muitos poderes sobrenaturais.
No entanto, os diligentes seguidores de Vajrayana gradualmente veem seus esforços trazer-lhes uma maior compaixão, clareza de espírito, tranquilidade e ausência de medo, além de um reconhecimento mais profundo e duradouro da natureza do espírito.
Além disso, o Vajrayana afirma que qualquer um tem o potencial de atingir o estado de Buda nesta vida, aplicando os métodos poderosos que ele fornece.

Tão puro quanto a neve virgem

A seguinte história Zen foi contada e recontada geração após geração. Ela está incluída no Sutra da plataforma do sexto patriarca, a fim de ilustrar a distinção entre uma visão parcial e progressiva da consciência e a visão mais completa dos grandes mestres do Zen, para quem o espírito é fundamentalmente puro e, portanto, não precisa ser purificado por meio de diferentes métodos e práticas.
O quinto Patriarca de Chan (Zen) na China, Hung-jen, reuniu seus monges e pediu a todos que escrevessem em alguns versos sua compreensão pessoal da verdadeira natureza da realidade (também chamada natureza de Buda).
Ele prometeu que, se encontrasse um deles cuja sabedoria fosse clara, faria dele o sexto patriarca de sua linhagem do Dharma, ou seja, seu sucessor. Naquela noite, o monge principal deu um passo à frente e escreveu os seguintes versos na parede do mosteiro:

"O corpo é a árvore Bodhi (despertar).
O espírito é como um espelho brilhante em seu apoio. 
Portanto, devemos nos esforçar
constantemente para limpá-lo,
para que o pó não se deposite ali.

Quando o quinto patriarca leu esses versículos, ele sabia que eles demonstravam uma apreciação relativa do valor da prática, mas também revelavam claramente que seu autor não havia entrado na porta da consciência – e é o que ele diz ao monge principal.
Em público, porém, ele elogiou os versículos e os declarou dignos de estudo.
Vários dias depois, um jovem analfabeto que trabalhava na cozinha e debulhava arroz, ouviu alguém recitar os versos e pediu para ser levado para o mural onde estavam escritos. Lá, ele pediu que alguém escrevesse os seguintes versículos:

"Originalmente, não há árvore do despertar,
e o espelho brilhante não tem suporte,
pois a natureza de Buda
é sempre pura e imaculada.
Onde o pó adere?

Em outras palavras, sua natureza fundamental não precisa ser polida pela prática espiritual, porque nunca foi manchada, nem por um único instante. Quando o quinto patriarca leu esses versículos, sabia que havia encontrado seu sucessor. Embora o jovem noviço não soubesse ler nem escrever, Hung-jen reconheceu que era já iluminado e fez dele o sexto patriarca de Chan.

O Zen prossegue em sentido inverso ao de Theravada

  O Zen adota uma abordagem diferente em relação a  Theravada e Vajrayana. Em vez de destacar um caminho progressivo para um alto ideal espiritual, os grandes mestres do Zen ensinam que a iluminação completa está sempre disponível aqui e agora - ou seja, o tempo todo - e que isso pode ser feito viva diretamente como uma súbita explosão de visão profunda que é chamada em japonês kensho ou satori.
De fato, algumas escolas de Zen chegam ao ponto de remover qualquer caráter excepcional da experiência da própria iluminação e ensinam que a prática sincera da meditação sentada (zazen em japonês) ou a prática sincera em  não importa qual situação seja o Despertar.
A tradição zen está repleta de histórias de grandes mestres que comparam o seu despertar com o de Shakyamuni e falam dele como se ele fosse um de seus velhos amigos e colegas. Ao mesmo tempo, a iluminação (embora ilusória) é considerada a consciência mais mundana daquilo que sempre existiu. É por isso que, em muitos contos zen, os monges começaram a rir quando finalmente "entenderam".
Os seguidores Zen esclarecidos são conhecidos por seu engajamento muito concreto (realista) em cada atividade e pelo fato de não exibirem vestígios de um estado específico chamado "tomada de consciência".

Transmissão direta de mestre a discípulo

Sem dúvida, há o testemunho mais claro da atitude zen em relação ao Despertar nos famosos versos do mestre chinês Linji:

"Uma transmissão especial fora das escrituras, 
dirigida diretamente à mente humana, 
sem nenhuma dependência de palavras ou letras. 
Veja a verdadeira natureza, 
torne-se um Buda. "

Veja como os versículos acima abordam vários pontos essenciais, que desenvolvemos aqui:

 Uma transmissão especial fora das escrituras:
o Zen remonta a Mahakashyapa, um dos principais discípulos de Buda que parece ter recebido a transmissão direta da "essência espiritual" de seu mestre, aceitando uma flor com um sorriso silencioso. Desde então, os mestres zen transmitiram "diretamente" suas mentes iluminadas a seus discípulos, não por meio de textos escritos, mas por ensinamentos secretos revelados de mente em mente (ou, como o primeiro instrutor Zen de Stephan gostava de dizer "de uma mão quente para outra"). No entanto, não é a própria iluminação que é transmitida assim: deve inflamar-se em cada discípulo. O mestre então apenas reconhece e certifica a iluminação.
Dirigido diretamente na mente humana: o mestre não explica verdades intelectualmente abstratas. Pelo contrário, ele direciona a atenção de seu discípulo para sua verdadeira natureza inata, que sempre esteve presente, mas geralmente não é reconhecida.
Com a orientação do mestre, o discípulo acorda e percebe que ele não é um eu separado e limitado, mas, pelo contrário, é a própria consciência, ilusória, misteriosa, vasta e pura, também chamada natureza de Buda.

Veja a verdadeira natureza, torne-se um Buda:

Tendo tomado consciência de sua verdadeira natureza, o discípulo agora vê com os olhos de um Buda e está na pele de um Buda. Não há mais nenhuma distância entre a mente do Buda Shakyamuni e a do discípulo, nem no tempo nem no espaço.

  Os grandes mestres do Zen ensinam inevitavelmente que a mente inclui toda a realidade, sem deixar nada de fora. Esse mesmo corpo é o do Buda, esse mesmo espírito é o do Buda, e esse exato momento é inerentemente completado e é perfeito como é. Nada precisa ser mudado ou adicionado para tornar esse corpo, mente ou momento mais espiritual ou mais sagrado do que já é - basta perceber a natureza não dual da realidade.

As dez tabelas de adestramento de boi

Desde que as fases de adestramento de boi foram desenvolvidas na China há mais de oito séculos, os discípulos zen as usaram como um mapa confiável da jornada para ailuminação e os mestres zen usam-nas para instruir e inspirar seus discípulos.

(Na Internet, por exemplo, você pode visitar  e ver imagens dessas pinturas tradicionais acompanhadas pelos comentários correspondentes)

Essas tabelas descrevem os estágios progressivos que o seguidor do Zen toma no caminho. Eles começam com a busca pelo boi (isto é, a verdadeira natureza do seguidor) e terminam com a libertação completa, personificada pelo bodhisattva. Embora a primeira visão profunda direta, ou kensho, ocorra na terceira imagem, muitos kensho adicionais ocorrem ao longo do caminho até que o próprio kensho se torne olhos com uma visão clara e desobstruída com a qual o seguidor pode ver a realidade a qualquer momento.
A lista abaixo fornece uma breve descrição de cada tabela, seguida de uma explicação de seu significado.

A busca pelo boi: o ser humano vagueia na floresta com a corda na mão. O boiadeiro busca satisfação real na vida, mas não a encontra nos lugares banais habituais, como carreira, relacionamentos, família e objetos materiais. Como ele ainda não foi informado sobre a possibilidade de realizar sua verdadeira natureza, ele não sabe exatamente onde deve procurar.

A visão das pegadas: os humanos seguem as pegadas do boi. Ele foi apresentado ao ensino do Zen e pelo menos sabe onde procurar para encontrar sua verdadeira natureza. Ele está na trilha da meditação, mas não viu o boi com seus próprios olhos.

O boi é visto: o ser humano vê os quartos traseiros do boi. Ele teve sua primeira visão direta, ou kensho, finalmente! Agora, com certeza, o boi de verdade está em toda parte e é expressa em tudo. Mas essa consciência desliza rapidamente para o fundo e ele ainda está longe de fazer dele seu companheiro constante.

Pegar o boi: o ser humano segura o boi resistente amarrado por uma corda. O boiadeiro está ciente de sua verdadeira natureza em todos os momentos e em todas as situações; ele nunca se separou, nem por um momento. Mas sua mente continua turbulenta e indisciplinada, e ele deve se concentrar para evitar se distrair.

O treinamento do boi: o ser humano leva o boi dócil à corda. Finalmente, a mente se acalma e todos os vestígios de dúvida desaparecem. O vaqueiro é instalado em sua experiência da verdadeira natureza, a ponto de os pensamentos não o distraírem, porque ele percebe que, como tudo o mais no universo, ele é apenas uma expressão de sua natureza fundamental .

O retorno nas costas do boi: o ser humano, que toca flauta, senta-se nas costas do boi: agora ele e sua verdadeira natureza estão em total harmonia, como um cavalo e seu cavaleiro. Não há mais necessidade de lutar para resistir à tentação ou à distração porque ela está perfeitamente em paz, unida indissoluvelmente à sua fonte essencial.

O boi esquecido: o ser humano senta-se em sua cabana ao nascer do sol. Finalmente, o boi da natureza real desapareceu porque o vaqueiro a personifica completamente, sem separação. Esse boi era uma metáfora útil para levar para casa. Em última análise, porém, o vaqueiro e a carne são um! Como não há mais nada a procurar, o vaqueiro está perfeitamente à vontade, ele vive a vida à medida que ela se desenrola. O eu e o boi se esqueceram: um círculo vazio. Os últimos vestígios de um eu separado caíram e com eles os últimos vestígios de consciência desapareceram.
Mesmo o pensamento "eu estou acordado" ou "eu sou a personificação da natureza de Buda" não pode mais ocorrer. O ser humano é então, simultaneamente, completamente normal e completamente livre de qualquer apego e identificação.

O retorno à fonte: natureza resplandecente sem o observador. Depois de se fundir com sua fonte, o ser humano vê tudo em toda a sua diversidade (dolorosa e agradável, bonita e feia) como a expressão perfeita dessa fonte. Ele não precisa mais resistir ou mudar nada: ele é um com a vida, tal qual ela se apresenta.

Entrando no mundo com mãos amigas: o feliz bodhisattva de barriga cheia com uma bolsa sobre o ombro. Sem o menor traço de um autodespertar separado ou possivelmente ser vítima de ilusões, a distinção entre os dois se dissolve em uma atividade espontânea cheia de compaixão. Agora, o bodhisattva se move livremente pelo mundo como a água através da água, sem a menor resistência, respondendo alegremente às situações à medida que surgem, ajudando onde é apropriado e com certeza trazendo o Despertar aos outros.

Os pontos em comum da iluminação vistos pelas várias tradições budistas

A experiência da iluminação, embora descrita de maneiras ligeiramente diferentes e também abordada de maneiras um pouco diferentes, possui notáveis ​​semelhanças de uma tradição para outra.

 O Despertar sempre sinaliza o fim da ilusão da separação. (Observe que escrevemos ilusão porque o Buda ensina que, em vez de remover a separação, percebemos que ela nunca começou a existir.) Se você é um ser iluminado, não se identifica mais como alguém distinto, isolado dentro de seu corpo ou de sua cabeça e confrontado com um mundo de objetos e pessoas separados. Pelo contrário, você considera sua realidade como um todo contínuo e interdependente, seja essa realidade chamada "não-eu", "vazio", "natureza verdadeira", "espírito", "consciência" ou "fluxo de fenômenos em constante mudança". "
Em um nível relativo, é claro, você conhece todas as diferenças entre seu corpo e o de seus vizinhos, esquece suas chaves no carro, trancando-as no pior momento possível, paga (ou esquece de pagar) suas contas, e
você beija seus filhos (ou outra pessoa) para lhes desejar boa noite.

Em todas as tradições, o Despertar também inevitavelmente provoca o fim de toda ganância, toda raiva, toda ignorância e todo medo, e o nascimento da paz, alegria, bondade e compaixão inabalável e indescritível.
Embora essas qualidades do coração pareçam encontrar mais eco na tradição mahayana (enquanto o Theravada parece enfatizar a eliminação de defeitos), elas são sem dúvida a expressão da visão despertada que se torna dia no momento da plena consciência – seja pelas dez mesas domesticadas do boi zen, pelo estado completo de Buda do Vajrayana ou pelo nirvana do Theravada. (É claro que os Theravada e os Mahayana incentivam os seguidores a cultivarem a compaixão e outras qualidades do amor, como veremos adiane.)
O despertar, em cada tradição, envolve estar completamente no mundo, mas não dentro de seu jogo (Veja como algumas pessoas acordadas, como monges que vivem na floresta, estão menos "no mundo" do que outras).) Nunca mais você poderá levar o jogo da vida a sério. Você já percebeu a  aparente solidez e a aparente importância da vida material e de suas preocupações, e não está mais enredado nela porque entende claramente a natureza vazia - quimérica, transitória ou fundamentalmente perfeita - de tudo que  está acontecendo.
Como o bodhisattva na décima mesa da busca pelo boi, você avança na vida com um sorriso no rosto e um coração cheio de amor, oferecendo sua ajuda onde for necessário e inspirando felicidade e liberdade aonde quer que você vá.

Capítulo 8 finalizado em 17 de março de 2020, 
Mojimirim, 15h45